“Não te absolvo!”
(Foto retirada da internet)
Era jovem. Ainda mal entrada na adolescência.
Do grupinho das suas amigas havia uma já mais crescida, quase mulher, a namorar com um rapaz que até já ia a sua casa.
O povo falava. O padre desconfiava.
Um dia “correram os banhos” pela Freguesia.
A sua amiga mais crescida, quase mulher, ia casar com o namorado queaté já ia lá a casa dela.
A mais crescida convidou as amigas para o casamento.
O padre avisou a Aninhas para não ir a essa festa.
A Aninhas não deu ouvidos ao padre.
Algum tempo depois era Dia de Confissões.
A Aninhas foi confessar-se.
Ajoelhou-se junto ao confessionário. Benzeu-se. Rezou o acto de contrição. E, quando ia para abrir a boca para os pecados saírem, só teve tempo pra se levantar e sair da Igreja a chorar.
Foi o espanto entre crentes, beatas e pecadores arrependidos.
Derreada com as inquietações e as perguntas de todos, respondeu-lhes:
- o senhor padre , mal levantou os olhos do breviário, olhou para mim e disse-me:
-“Desaparece-me da vista! Não te dou a absolvição”!
Assustados, todos recuaram ao mesmo tempo. E bradaram:
-“Credo in cruz, santu nome de jAsus”!
Mas “atão”?!... - exclamaram com tremendo espanto e em uníssono.
E a Aninhas, lavada em lágrimas, tolhida pela vergonha, aflita com os soluços, foi soletrando:
-“O senhor padre disse que não me absolvia porque eu lhe tinha faltado ao respeito por ter ido ao casamento da Laida”!
No adro, encostado a uma das tílias, estava o Júlio Tralhão, jovem espigadote, estudante no Liceu, e que até «tinha andado no Seminairo» até ao 4º ano. Fazia horas, à espera da «sua» Tina.
Desatinado com o que acabara de «ber e de oubir», levanta a voz e atira para os crentes, beatas e pecadores arrependidos:
-“Ah! Afinal não é Deus quem dá absolvição aos pecados! É o padre, conforme se sente satisfeito ou consolado nas suas vontades, desejos e caprichos!
Pecadores arrependidos, beatas e crentes “meteram o nariz no chão “ e foram cada um para seu lado.
Passados alguns dias, o padre foi de visita a casa dos pais da Aninhas.
Apetecera-lhe uma boa merenda e uma boa pinga.
Nada como ir a casa dos pais da Aninhas, claro está!
Respeitoso e servil, o pai da Aninhas lá ia enchendo o copo ao padre e empurrando para a gula deste mais uma rodela de salpicão, outra de linguiça e duas fatias de presunto, depois de uma alheira frita na sertã e duas assadas nas brasas da lareira já estarem bem acamadas no papo do cura.
Quando o pai da Aninhas teve de ir buscar mais uma caneca de meia canada ao pipote especial, aproveitou para passar pela varanda, onde estava a Aninhas em conversa com umas amigas e com homens e mulheres a cuidar dos trabalhos no quinteiro.
O Ti Zé da Eira disse à filha:
-“Bá! Faz as pazes com o senhor padre. Bai à adega buscar um copo de binho e ofrece-lho”.
- “Nem um copo d’Água”! - gritou, alto e bom som, a rapariga.
Os homens e as mulheres no quinteiro e as amigas na varanda escutaram o que disse o pai d’Aninhas e ouviram o grito da moçoila.
Romeiro de Alcácer
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