Pedro Maria Garcia não tem morada. Dorme dentro de uma caravana, já remendada com bastantes plásticos, que se encontra temporariamente à beira da EN118 em Benfica do Ribatejo, nos arredores de Almeirim. A sua “casa” fica sempre junto à cerca que retém de noite o rebanho de ovelhas que guarda, porque, tal como diz, “há por aí muito malandro que de noite vem roubar os borregos para comer” ou “não vá o bicho apertar o rebanho”. Diz que já era pastor na barriga da sua mãe. Tem 55 anos. Nunca conheceu outra realidade se não a de guardar cabras ou ovelhas pelos campos, fossem eles do Alentejo, Ribatejo ou Beiras. As 560 ovelhas que tem na sua retaguarda são apenas uma amostra daquilo que já lhe passou pelas mãos. Chegou a guardar 1900 ovelhas. Recostado no cajado, finge não dar importância à presença de estranhos apesar de desligar o rádio que traz consigo, enquanto vai respondendo enviesado às reclamações do patrão que diz estarem na cerca dois borregos a morrer porque a mãe não tem leite: “Ó Pedro, está lá um borrego grande que morre, a ovelha não tem leite. Ele não tem nada na barriga” gesticula de longe o dono do rebanho enquanto tenta que o pastor lhe diga a que ovelha pertence a cria. Pedro Maria Garcia responde sem grande preocupação à dúvida do patrão, como se já tivesse ouvido aquilo vezes sem conta, enquanto continua a andar na direcção em que o rebanho caminha. O pastor não reclama. Só mesmo quando o rebanho está prestes a entrar nalgum terreno de cultivo de terrenos vizinhos é que dá ordens à cadela que o acompanha para recolher ou dispersar as ovelhas. “Esta cadela só lhe falta falar. Tenho-a há três anos e já tentaram roubá-la três vezes. Mas ela volta sempre. Está ensinada por mim,” diz em tom de malandrice enquanto afeiçoa a sua companheira. Traz consigo um cachorro mais pequeno também, mas esse quer mais brincadeira que outra coisa. Enquanto caminha aproveita para enrolar mais um cigarro. O terceiro desde que ali estamos. Desde os nove anos que o pai o deixava a tomar conta do rebanho enquanto aproveitava para ir beber uns “copos” à tasca da aldeia. Pedro Maria Garcia diz não ir muito aos cafés. “Estou bem aqui. Tenho quem me lave a roupa, me traga comer, compre os cigarros. E nunca me deixa acabar o vinho” conta-nos enquanto retira da sacola que carrega a tiracolo uma garrafa de vinho e aproveita para dar mais uns goles. Lá dentro tem ainda um naco de pão, queijo e azeitonas para o lanche e às vezes almoço. A solidão de quem não tem com quem falar_ Pedro Maria Garcia, pastor de rebanhos desde sempre, não tem esposa. Casou duas vezes. Da primeira nem quer ouvir falar, mas da segunda, a mãe das suas três filhas, e a quem a saúde atraiçoou aos 25 anos, fala com saudade. “Choro muita vez sim, e não tenho vergonha de o dizer. Sinto saudades das minhas filhas e das minhas netas. Choro mais vezes do que se pensa,” desabafa em tom frio e rude. Os terrenos que pisa juntamente com aquele gado que guarda são alugados pelo seu patrão aos proprietários. A erva que por ali nasce faz de pastagem até que as culturas comecem a ser feitas. Nessa altura muda-se o rebanho para outras terras e muda-se o pastor juntamente com as ovelhas. A Quinta da Alorna ou a Quinta do Casal Branco, também em Almeirim, serão as próximas paragens do roteiro da transumância.
Fonte: O Mirante_Semanário Regional
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