Pela estrada, que entre cerejais ondeia,
Uma pequerrucha, – tró-la-ró-la-rá
–Vai cantando e guiando o carro para a aldeia...
São os bois enormes, e a carrada cheia
Com um castanheiro apodrecido já.
E os dois bois enormes, colossais, fleumáticos,
Na aleluia imensa, triunfal, da aurora,
Vão como bondosos monstros enigmáticos,
Almas por ventura d’ermitões extáticos,
Ruminando bíblias pelos campos fora!...
Ao arado e ao carro presos noite e dia,
Como dois grilhetas, quer de Inverno ou V’rão!
E, submissos, uma pequerrucha os guia!
E nos sulcos que abrem canta a cotovia,
As boninas riem-se e amadura o pão!...
E eis no carro morto o castanheiro, enquanto
Melros assobiam nos trigais além...
Heras amortalham-no em seu verde manto...
Deu-lhe a terra o leite, dá-lhe a aurora o pranto...
Que feliz cadáver, que até cheira bem!...
Oh, os bois enormes, mansos como arminhos,
Meditando estranhas, incubas visões!...
Pousam-lhes nas hastes, vede, os passarinhos,
E por sobre os longos, tórridos caminhos
Dos seus olhos caem bênçãos e perdões...
Chorarão o velho castanheiro ingente,
Sob o qual dormiram sestas estivais?
Almas do arvoredo, o seu olhar plangente
Saberá acaso misteriosamente
Traduzir as línguas em que vós falais?!...
Castanheiro morto! que é da vida estranha
Que no ovário exíguo duma flor nasceu,
E criou raízes, e se fez tamanha,
Que trezentos anos sobre uma montanha
Seus trezentos braços de colosso ergueu?!...
(Guerra Junqueiro)
1 comentário:
(...Noite escura!... enigmas!... Ai, do que eu preciso,
Boieirinha linda, linda d’encantar,
É dessa inocência, desse paraíso,
Da alegria d’oiro que há no teu sorriso,
Da candura d’alva que há no teu olhar!...
Grandes bois que adoro, p’ra fortuna minha,
Quem me dera a vossa mansidão cristã!
Arrotear os campos, fecundar a vinha,
E nos olhos garços duma boieirinha,
Ter duas estrelas virgens da manhã!...
E também quisera, mortos castanheiros,
Como vós erguer-me para o Sol a flux,
Dar trezentos anos sombra aos pegureiros,
E num lar de choça, em festivais braseiros,
A aquecer velhinhos, desfazer-me em luz!...)
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